Nov. 2017 - Carta aos amigos e benfeitores nº88

1517 – 1917: a revolta de Lutero e a revolução bolchevique à luz das aparições de Fátima

Caros amigos e benfeitores,

Neste mês de Outubro de 2017, coincidiram três aniversários que determinaram o curso da história dos homens e da Igreja: a revolta de Lutero, a revolução bolchevique e o milagre de Fátima.

Há quinhentos anos, em 31 de Outubro de 1517, Martinho Lutero iniciou a sua revolta contra a Igreja Católica. Há cem anos, no dia 7 de Novembro, rebentou a revolução na Rússia. Segundo o calendário juliano, passou a ser chamada de “Revolução de Outubro”.

E há cem anos, alguns dias antes, a 13 de Outubro, o Coração Imaculado selou com um milagre espetacular a sua mensagem, onde anunciou os grandes eventos futuros da Igreja e do mundo, dos quais alguns já fazem parte do passado, como a Segunda Guerra Mundial, e outros que ainda não chegaram, como o triunfo do Coração Imaculado e a conversão da Rússia.

A reforma lançada por Lutero foi considerada, num primeiro momento, como um acontecimento religioso. E, rapidamente, o heresiarca alemão abalou os fundamentos da Igreja Católica, atacando o papado, a graça, a Santa Missa, o sacerdócio, e a Santa Eucaristia … A fé e os meios concedidos por Deus aos homens para alcançarem a salvação eterna foram rejeitados ou profundamente falsificados.

Mas, tendo em conta os inegáveis ​​vínculos entre a ordem sobrenatural da Igreja e da graça, por um lado, e a ordem temporal dos governos humanos e da sociedade civil, por outro, muito em breve a rebelião contra a Igreja estendeu-se à sociedade civil, dividindo a Europa até aos dias de hoje, abrindo séculos de perseguição contra a Igreja nos países reformados e marcando toda a Europa com terríveis guerras, das quais a mais dolorosa foi a Guerra dos Trinta Anos. Realmente, a nossa incompreensão é total quando vemos que alguns prelados católicos celebram e até mesmo comemoram esses acontecimentos tão tristes e assustadores.

A revolta de Lutero baseia-se num princípio que constitui a base do pensamento moderno e que governa toda a sociedade contemporânea, que pretende ser liberal ou social-comunista. Este princípio visa libertar os homens da dependência de Deus e da ordem estabelecida por Ele, tanto a nível natural como sobrenatural.

No entanto, no mais profundo da natureza do homem verificamos uma realidade ontológica de dependência total em relação ao seu Criador. Total porque não existe âmbito nenhum onde o ser humano se possa subtrair a Ele. A própria noção de criação expressa isso claramente. E, do ponto de vista da criatura, essa dependência objetiva gera imediatamente o dever de submissão igualmente absoluto em relação ao seu Criador, que é Deus. Esta submissão é muito mais profunda do que parece, na sua expressão mais comum: obediência aos mandamentos de Deus e obediência moral. Ela também se estende à ordem da inteligência, ao nosso conhecimento. Eis a submissão da nossa razão à realidade que nos é imposta, de tal forma que a definição exata de Verdade é “a adesão da inteligência à realidade”, à realidade objetiva. O âmbito da fé segue o mesmo caminho, embora o motivo dessa submissão seja diferente. Quando a nossa razão natural se submete à luz da evidência, a fé sobrenatural  submete-se à autoridade de Deus, Verdade que é revelada sem se enganar, nem nos enganar, como dizemos no acto de fé.

Lutero, pelo princípio do livre arbítrio, destruiu essa submissão. E desde então, o ênfase parece estar colocado apenas num termo: “liberdade”; de facto, é a revolta contra Deus e contra a ordem das coisas queridas por Deus. Esta liberdade moderna adula a alma caída desde o pecado original, e constitui a tentação do tempo presente, sendo ela uma ilusão. É um sonho quimérico, o mesmo que inspirou o pecado do Arcanjo Lúcifer, e de todo o pecado sequente. Esta suposta libertação acaba sempre mal e, finalmente, não tem nada a ver com a autêntica liberdade, porque o homem não foi criado livre para se rebelar contra Deus, seu fim último e seu supremo bem, senão para que ele mesmo escolha os meios que o conduzam a Deus e para fazer que, deste modo, se torne meritório da obtenção da beatitude eterna que Deus todo-poderoso quer compartilhar com as suas criaturas.

Quão poucos são os homens de hoje que, submersos nesta atmosfera liberal, compreendem essas verdades fundamentais!

Os inevitáveis ​​excessos do liberalismo – levados ao extremo da sua lógica, seja a anarquia ou a tirania do poder material, bem como os do social-comunismo, cujos terríveis excessos marcaram tragicamente o século XX, com pelo menos duzentos e cinquenta milhões de vítimas mortais – não parecem refletir os nossos contemporâneos.

A revolução russa parte desta revolta contra o jugo do poder temporal, mas a sua origem não é russa. Tem a sua origem na Europa Ocidental. Karl Marx era alemão e, segundo alguns historiadores, a Rússia seria o terreno propício de aplicação dos princípios elaborados pelo alemão Marx, com o apoio financeiro do ocidente. No entanto, muito rapidamente, a revolução atacaria a religião. E o comunismo veria sempre na Igreja Católica, mais do que qualquer outra coisa, um inimigo condenado à destruição. Do comunismo veio a maioria das perseguições contra a Igreja, muitas das quais ainda continuam, como na China, na Coreia do Norte ou no Vietnam.

Tudo isto foi anunciado em Fátima, onde Nossa Senhora pediu actos muito simples às autoridades religiosas e a todos os cristãos, para afastar as desgraças que ameaçam cair sobre a terra: a devoção ao seu Imaculado Coração, os cinco primeiros sábados do mês em reparação aos ultrajes feitos à Mãe de Deus e a consagração da Rússia.

Chama à atenção a aparente desproporção dos meios propostos pelo Céu para remediar os males da humanidade, face ao destino dramático das nações, neste momento da história. Mas Deus Todo-poderoso, infinitamente acima da agitação humana não precisa, de modo algum, de meios humanos. Uma única palavra é suficiente para criar o universo, regenerá-lo e salvá-lo. Mas tal coisa não há de ser feita senão através de homens que reconheçam finalmente a sua soberania. “ A guerra terminará, mas se não deixarem de ofender a Deus, no pontificado de Pio XI, começará outra guerra ainda pior “. “Se as minhas orações forem ouvidas, a Rússia converter-se-à e haverá paz; se não, espalhará os seus erros pelo mundo, provocando guerras e perseguições contra a Igreja”. A paz do mundo – e da Igreja – está ligada à consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria. De acordo com um indubitável testemunho que me deram pessoalmente, a Ir. Lúcia, pouco antes da sua morte, disse a um sacerdote que “a consagração da Rússia SERÁ REALIZADA, mas será algo muito difícil”.

O triunfo do Imaculado Coração de Maria chegará, disso não temos dúvidas, mas atualmente, a luta é feroz e desta vez, dentro da Igreja. Os pilares da nossa fé, que pareciam inquebráveis, ​​estão a vacilar; bispos e cardeais superam mesmo o seu novo mestre, Lutero, cuja revolta comemoram este ano. E são bem poucos os que defendem a verdade revelada. A Voz sobre a qual tudo depende a Igreja na Terra, está resolutamente calada. Ela deixa que a confusão doutrinal e moral invadam a Cidade de Deus.

Em 29 de Junho de 1972, Paulo VI já teria dito que “o fumo de Satanás entrou no templo de Deus“. Hoje em dia não é apenas um pouco de fumo, mas sim o espesso fumo de uma erupção vulcânica. Como São Pio X já afirmava: “Quem pesa estas coisas tem direito a temer que uma tal perversão dos espíritos seja o começo dos males anunciados para o fim dos tempos, (...) e que verdadeiramente o filho da perdição de que fala o Apóstolo (2 Tess 2,3) já tenha feito o seu advento entre nós” (Encíclica E Supremi Apostolatus, de 4 de Outubro de 1903). O que dizer, cem anos depois, ao ver que a Igreja está a desmoronar pouco a pouco? O nosso sangue gela quando ouvimos esta voz, abordando o tema da justificação, durante a conferência de imprensa, no avião de regresso da Armênia em 26 de Junho de 2016, dizendo que Lutero não se tinha equivocado sobre este assunto: “Acredito que as intenções de Martinho Lutero não estavam erradas: ele era um reformador. (…) E hoje, luteranos e os católicos, juntamente com todos os protestantes, concordamos com a doutrina da justificação: neste ponto importante, ele (Lutero) não estava errado”.

Por esta razão, para a Fraternidade São Pio X e para os senhores, queridos fiéis, não temos outra linha de conduta senão aquela que continua a fazer o que a Igreja sempre fez, não importa o que aconteça. O caminho da verdade que, em todos os tempos, fez santos, permanecerá sempre o caminho seguro para o Céu, o dos Evangelhos, na imitação de Nosso Senhor e Nossa Senhora. Tomamos os meios indicados pelo Céu com a certeza de que não podemos fazer nada melhor. A nossa Cruzada do Rosário terminou oficialmente a 22 de Agosto passado, no entanto suplicamos e pedimo-vos encarecidamente, que mantenham os bons costumes que adquiriram: a oração do Rosário, os pequenos sacrifícios tão agradáveis ​​a Deus e que têm o poder de salvar almas, desde que sejam gestos acompanhados com um grão de amor a Deus!

No final do ano em que celebramos o centenário das aparições de Fátima, lembremo-nos dos ensinamentos e dos pedidos de Maria, sempre Virgem e Mãe de Deus. Segundo as suas próprias palavras, o seu Coração será o nosso refúgio e o caminho que nos leva a Deus. Vivemos com essa esperança, sem nos desanimar com os terríveis acontecimentos que nos rodeiam, bem conscientes de que todos nós podemos e devemos ajudar os nossos contemporâneos, preservando fielmente as riquezas da Tradição.

Agradeço a vossa incansável generosidade. Que Deus vos recompense com graças e vos abençoe, na espera do triunfo do Imaculado Coração de Maria.

Menzingen, 21 de Novembro de 2017, Festa da Apresentação da Santíssima Virgem

+ Bernard Fellay,

Superior Geral